O problema do tédio e do conforto de corpo e mente
Como satisfazer nossas mínimas necessidades sem esforço está nos deixando insatisfeitos
Tento explicar para meus filhos (e isso vale para mim e outros adultos também) que tédio é muitas vezes uma coisa boa para nós. Tédio estimula criatividade. Entretimento instantâneo e constante anestesia a mente.
Mas o problema vai além de termos entretenimento constante para compra o menor sinal meros segundos de tédio. Vale para qualquer tipo de necessidade e capricho.
O ser humano não lida bem com ter todos os seus caprichos satisfeitos de maneira fácil e instantânea. Tirar satisfação do processo de superar dificuldades e progredir é uma adaptação evolutiva extremamente importante para sobreviver num ambiente natural.
Quando ficamos super eficientes em obter satisfação instantânea, também ficamos insatisfeitos e não sabemos com o quê. A vida fica vazia e sem rumo.
Há um episódio clássico de Alem da Imaginação, onde um ladrão de bancos morre e é recebido por um homem que o apresenta ao pros vida para o pós vida, onde passará a eternidade. É um mundo quase igual ao mundo dos vivos, exceto que ele tem todos os desejos satisfeitos sem qualquer dificuldade e imediatamente. A princípio ele fica maravilhado por ter ido para o Paraíso, mesmo tendo sido um ladrão de bancos em vida. Mas após algum tempo ele fica tão frustrado que chama o homem que o havia recebido no pós vida, diz que não aguenta mais e que ele prefere ir para o inferno.
“Onde você acha que está?” é a resposta.
É claro que essa não é a realidade de incontáveis pessoas no mundo hoje. Existe miséria, guerra, doenças e todo tipo de faculdade. Obviamente muita gente não tem nem sequer as necessidades básicas atendidas — abrigo, alimento, cuidados médicos, segurança. Não é disso que estou falando.
O que estou falando é que para um número cada vez maior de pessoas, não necessariamente pessoas que se considerariam ricas, até mesmo as mínimas dificuldades da vida, como ficar alguns minutos sem ter algo com que se distrair, estão sendo removidas. A nossa vida está tão cômoda que pagamos para poder fazer força e levantar peso, porque nosso corpo, como nossa mente, não evoluiu para ter tudo fácil, e adoece na total falta de dificuldades.
O que fazer? É mais difícil do que parece — o instinto evolutivo de buscar conforto e satisfação imediata é poderoso (já estaremos extintos se não fosse).
Já que temos o luxo de escolher, estamos nos esforçando para restringir certas comodidades— fabricantes de celular estão introduzindo maneiras de limitar acesso aos próprios produtos (com limitação de tempo e horário de uso), vamos para academias fazer esforço físico, há mesas com altura para serem utilizadas enquanto se está de pé, existe toda uma indústria de tênis sem acolchoamento.
Isso tudo ajuda, mas acho que é preciso ter consciência o problema em primeiro lugar (daí esse post). Nós, como espécie e indivíduos, precisamos do processo de superar dificuldades. É preciso recolher que tédio tem seu lado positivo. Esforço físico tem seu lado positivo. Restrição alimentar seu lado positivo. Não falo de restrições forçadas ou extremas — falo do luxo de podermos incluir e dosar essas dificuldades, em vez de lutar contra elas na suas mínimas manifestações.
E no fim, o próprio processo de reintroduzir limitações é uma dificuldade em si. É difícil estar confortável com o desconforto. Exige treino e disciplina. As vezes estar sozinho com a nossa própria mente não é apenas tedioso, mas de certa forma assustador se não temos o treino. Mas se tivermos a coragem de abaixar o celular, levantar da poltrona acolchoada, colocarmos os pés no chão e olharmos para dentro de nós, podemos descobrir um desafio muito mais interessante e desafiador do que qualquer conteúdo: o mistério de estarmos presentes em nossa mente e corpo.
Onde você acha que está?
Só você pode responder.