O problema da Identidade
Identidade é uma ferramenta útil, mas também uma prisão artificial.
Seres humanos sempre se identificaram com grupos. Essa é ainda outra adaptação evolutiva que se mostrou muito útil para sobrevivência da espécie (embora nem sempre para a sobrevivência do indivíduo). Nós somos, como diz o chavão, animais sociais, e ser expulso do grupo pode levar a morte literal de alguém — e muitos indivíduos estão penalmente dispostas a sacrificar a vida pelo grupo com o qual se identificam. É um instinto poderoso.
Essa identificação com grupos se torna extremamente importante quando surge a convivência ou encontro com outros grupos, claro. E a Internet fez com que todos os grupos do mundo 9ou quase, okay0 se encontrem num espaço comunitário global. Isso tende a excretar a identificação com grupos, nossos instintos em estado de alerta como se estivéssemos encontrando todas as tribos do mundo numa gigantesca savana virtual. Estamos vivendo um gigantesco “nós contra eles” do tamanho do mundo. Todo mundo está pisando no calo de alguém em algum momento, e os instintos disparam.
Mesmo quando não há conflito necessariamente, há uma acentuação da necessidade de se buscar identidade num ambiente virtual globalizado, criando uma extrema fragmentação. O problema da identidade, penso eu, é que nós podemos fazer parte de um ou múltiplos grupos, mas nós não somos esse grupo. É possível, e hoje eu diria necessário, separar identidade de características. É possível e, de novo, até necessário, reconhecer que identidade é uma coisa muito mais fluida, e, em última análise, ilusória, uma construção artificial da mente, fundada em adaptações evolutivas, e não necessariamente uma realidade concreta.
Vamos separar características de identidade. O céu é azul. Mas o céu não é o azul. Azul é uma cor, que o céu as vezes assume (se não estiver nublado, ou for de noite, ou durante o por do sol, ou nascer do sol, ou for em outro planeta).
No Brasil eu sempre fui tratado como branco (caucasiano). Aqui na Holanda eu sou bruin. No Brasil eu torcia pela seleção como todos os brasileiros, mas fui tratado como estrangeiro por paulistas (devido ao meu sotaque gaucho) e por gauchos (devido ao meu sotaque paulista). Descobri recentemente que probvalemnente tenho dislexia — o que explica muito da minha vida. Mas eu nunca me identifiquei como “disléxico”— embora as características de dislexia sempre estiveram lá. Eu tenho muitas características, mas não sou nenhuma delas. Nem sequer a soma delas. Talvez, a interação caótica e circunstancial de todas elas. Essa complexa interação individual acaba criando uma identidade que eu chamaria de “Daniel”, mas sua fragilidade está exposta. É, em realidade, uma ilusão. Curiosamente, isso não me soa como um problema. Não estou manifestando uma “crise de identidade”. Ao contrário, acho extremamente libertador ter um vislumbre, por breve que seja, de uma realidade firmemente mascarada pela ilusão.
Nós não somos nossas características.
Fazer parte de um grupo é útil, e satisfatório, mas não precisa te definir — e por consequência, te resumir. Identidade é uma ferramenta útil, mas também uma prisão artificial, uma que por sua familiaridade se torna invisível. Saber distinguir entre ferramenta e prisão não é fácil: se vivemos toda a vida numa prisão, natural ou artificial, a vida fora dela pode parecer desconfortável e assustadora. Entendo. Mas estou curiosamente atraído, e pretendo investigar mais os limites dessa prisão familiar.
Por enquanto, estou apenas compartilhando essa visão e te convidado para sua própria investigação.
Boa sorte, seja quem você for.